domingo, 7 de março de 2010

Eterna criança no ser

de Cecílio Purcino

Hoje pela manhã tive uma conversa com Deus.
Estava revoltado pela versão renovada da Terra.
Olhei para o céu, onde sua casa se faz nuvens e estrelas
E os pássaros a serem campainhas com voz de cordeiro que tu és,
E chamei a divina trindade pela excelência que são.

Presença potencial da ciência,
Eis me aqui na terra e vós em toda parte,
Veja eu, que de Ti chamas pelo mundo
A fazer mortos pelos cantos
Água pelos sábios e fome pela vida,
Estou aqui no olhar para ouvir de vós que são três.

O ar continuou inerte,
Os grãos de areia relutaram
Em se movimentar pelo solo,
E as árvores balançaram não mais do que deviam.
Nada mudou ao meu redor,
O criador não escutara a criatura.

E mesmo sem me dar a plena atenção,
Comecei a rosnar palavras
Pelo fútil da vida e à sombra da morte.

Queria saber o porquê
De tantas nuvens no céu,
De tantos rastros no chão,
De tantas estrelas no universo
De tanto ódio em canção.

De tanto sangue até ser em coágulos,
Por vínculos perdidos,
De tanto serem centrifugados
Para parecerem unidos.

Foi então, que o vento esbarrou se em mim como a permitir-me
O direito entre os homens e a justiça entre os aflitos
De conversar com a terceira pessoa do volátil.

E do verbo me fiz frases!

Revoltado, esbocei-me em palavras e literatura,
E disse para ele encarando em seus olhos -
Que são feitos com o brilho do sol e a relva da noite:

Ah, se eu pudesse usar seus corpos -
Potência, Ciência e Presença -
Consertaria no mundo os seus erros,
E começaria por tudo nesse mundo.

Não vi de Ti a plena sabedoria
De que tanto falam de Ti,
De que tanto de Ti evola,
De que tanto de Ti abusam,
De que tanto de Ti não cri e nem criei.
E de que tanto de Ti...
Ah, de que tanto de ti preciso
Para mudar o mundo que vejo.


Mas o mundo para Ti é
Muito complexo para o meu gosto.
Tudo muito misturado, água e terra,
Tudo muito misturado, ar e fogo
E nada de objetivo.
Tudo muito diferente para ser tudo muito igual.
O igual é que resolve tudo.

Se for para eu pontuar os seus erros de criação
Começaria logo pelo planeta.
Aproveitou-se da tinta do cosmo e da massa do cronos
Para misturarmos até tecer a todos.

Que falta de criatividade!
Qualquer um com a potência que Tens de criar
Poderia muito bem criar da forma que se foi criado,
Era apenas pegar a receita de vida e de amor
Que existe em todos e misturar-se em tudo.

Mas esse mundo sem voz não muda, nada muda,
Salvo as pessoas é claro, que de mudas se fazem e não são.

Se eu fosse Ti, na santíssima trindade e verbo no ser,
Teria feito a Terra com mais criatividade.
Teria feito toda de água por exemplo.
Sim, um mundo todo d’água.
As ruas, as casas, as árvores,
Os postes, as luzes,
Os gatos, os cães, o caos,
Os secos rios e os rios sujos que hoje são feitos
D’tudo menos d’água,
As rochas e as matas.

Os seres seriam claros em sua essência
E límpidos como os riachos
Que vão à beira das estradas,
Como as gotas do orvalho,
Como a brisa da noite,
E como a relva das praias.

Seria fácil amar em toda parte,
Pois os desertos não existiriam
E seus cristais de areia se dissolveriam
Como éter na água,
Para fazer-se aroma e perfumes.

As d’unas? Seriam d’águas,
E os homens fundiriam com os outros homens
Para sentir o prazer de ser o outro
Ou de ter o outro dentro de si
A fazerem-se tudo compressa de água quente.

Mas, tudo de água é tudo muito
Flácido, flexível, muito instável.
Onde estaria a fortaleza das plantas,
A rigidez das rochas e as posições firmes dos homens?
O mundo seria um éter no verbo do nada.

Seria melhor um mundo feito todo de ar.
Porque o igual que é importe,
E repito com maior firmeza e clareza,
O diferente é que desatam entre nós as brigas.

Tudo seria feito de ar!
O Mar desfaria em cinzas de vento
E tornados de emoções para
Fazer da relva da noite e orvalho
Das plantas, brisa e canção.

Não precisaríamos de estradas,
Não precisaríamos de roupas,
E de casas para trancafiarmos
A verdade que há entre quatro paredes.

Seriamos todos do mesmo pai,
Seriamos transparentes como devemos ser,
Seriamos ar,
E íamos ser voláteis, sensíveis,
E tudo seria melhor - pois no ar as
Mascaras não se sustentam por si,
E tudo ser ia ser infinito.
Ser-e- ar seriam,
O Sopro divino
O Hálito almejado,
O Vento soprado.

Não existiria o vácuo, não existiria a luz
Não existiria a cor que nos molda,
E a beleza que seduz.
E o mundo feito somente de ar
Seria tornado de erros.

Então deveria ser todo de terra.
Tudo seria feito de constante terra,
Tudo seria de areia,
E assim os seres humanos
Não chamariam humanos,
Mas sim sereias.

As d’unas? Continuariam d’unas e não d’águas,
E as geleiras, desaguariam em grãos da imortalidade.
O ar? Não existiria o ar, tudo seria constante e maciço,
Seria um bloco, seria um..., seria uma..., seria caixa fechada,
Ninguém se ver-ia.

Mas todos se trincariam muito fácil,
Quebrar-se-iam por vezes ou outra
E por qualquer coisa.
Atritariam conforme a música,
Conforme a fome
Conforme a sede,
Conforme com a vida que leva,
Conforme que somos, rochas e pedras.
E tudo seria uma extrema rigidez.

O mundo deveria mesmo então,
Era ser feito de puro fogo.
Tudo a se queimar pelos cantos,
Oxigênio a entrar em combustão,
Sabedoria eterna no ódio e no amor,
E cabeças em labaredas feitas
Em guilhotina de traição.

O combustível da paixão
Seria éter no ar para ser fogo na vida,
E tudo seria purificado.
As chamas seriam vida vivida,
E o presente, chamas passadas
Pela frente de nossas caras,
Por fora do corpo, e não por dentro de nós,
E viveríamos aquecidos somente
Pelo fogo eminente
Que emana da eterna
Consciência de ser.

Não existiriam queimadas pelas florestas,
Pois não precisaríamos de carvão
Para aquecermos os corpos na noite frívola da diversão.
Não existiria a distinção do branco, nem do preto
Nem do escuro como sou e nem do claro como são,
Apenas a cor da verdade de sermos
Essas chamas extintas em nós mesmos.

Mas com fogo, tudo passaria,
Nada seria permanentemente eterno.
Tudo seria eterna mudança, e as lembranças de minha
Juventude perdida em tempos de alegrias noturnas
Seria esquecimento.

De repente uma criança passou por mim a correr pela rua,
Não se deu muitos metros e
Seus joelhos foram de encontro a Terra.
A Água saiu pelos seus olhos,
O Ar se fez berros em arranjos
E o Fogo abrasou seu coração a procura da mãe.

Ela se aproximou da criança de Deus,
Abaixou-se e levantou-o todo inocente.
O fez um carinho todo maternal,
E naquele momento, pude ter certeza que
O mundo se fez em perfeita harmonia.
Tudo estava certo em seu fluxo.
O Ar, a tomar o seu lugar nos pulmões ofegantes,
A Água, em seus olhos em forma arco - íris,
O Fogo, em seu coração aquecido,
E a Terra, a fazer porto seguro no colo materno.
Tudo era eterno amor.

No mesmo instante, o raio do sol
Chicoteou as pétalas das rosas
E o pólen nutriu-se do eterno ar do dia,
Que agora se faz éter na vida.
Percebi que não era Deus que tinha errado,
Era eu, como homem que sou, errei no pensar.