terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O colecionador de Selos

de Cecílio Purcino

Tudo começou, quando entrei para trabalhar em uma instituição de ensino. Uma dessas instituições que ajudam os meninos a passarei em concursos. Sim, tudo começou nesse dia. O dia era como outro qualquer. O sol radiando focos de luz por todos os lados, as ruas movimentadas, o ritmo característico de cidade grande. As pessoas conversavam de suas dificuldades, outras riam de suas alegrias e várias choravam de suas tristezas e eu...E eu? Eu simplesmente estava vivendo um dia normal, ate o vê-lo. Sim, passando pelo enorme corredor das pinturas absurdas – assim que eu as chamava, pois até aquele dia não sabia o que era saber de sentimento - na sala de um amigo, algo chamas em mim a atenção. Em sua mesa cheia de lápis, e clipes destroçados pelo seu nervosismo ao conversar com pais de alunos, eu vejo em sua mesa uma correspondência. Ainda não tinha notado que não era o tamanho do envelope que me chamara à atenção, nem a letra forjada naquele grande envelope amarelo. O que eu realmente notara, era um pequeno Selo. Sim, um pequeno Selo, indicador de uma carta simples. Não tinha detalhes, não tinha cores vivas, e nem cores mortas, não tinha vida, era apenas apagado. Talvez fosse isso que me chamasse tanto atenção. Como um colecionador de selos que sou, até aquele momento, só tinha atração por selos vistosos, belos, que possuíam detalhes singulares e que para muitos, seriam valiosos pela sua beleza e não pela sua real importância. Esse Selo era diferente. Primeiro... veio à vontade de conhecê-lo, ver os seus detalhes quase inexistentes, a suas formas de ser, suas cores iguais a todas as outras cores, seu intuito de existir, ver por debaixo de sua imagens e sentir o tipo de papel de que era feito. Depois, veio à ansiedade de desvendá-lo, saber de onde tinha surgido, de onde veio, o porquê estava ali, em uma simples sala, marcando um simples lugar, sendo apenas um Selo qualquer. Depois a vontade de velo todos os dias, tocá-lo nem que seja apenas um momento, sentir sua textura inóspita e ingênua, como muitos dos Selos que tinha em casa, sentir o seu cheiro comum e ainda olhar para ele. E por fim, Tê-lo e Selo. Tudo isso, senti em apenas um segundo, em apenas aquele momento em que andava pelos corredores das pinturas absurdas. Tinha que conseguir arrumar esse Selo para minha coleção.
Decidi ir atrás dele pelos correios para descobrir mais sobre ele. Não encontrara nada! Já era um ponto positivo, pois o valor de um Selo se da pelo simples fator de ser único, ser singular em sua forma, em seu existir, e ser dono apenas de uma carta. Procurei sua imagem pelo correio eletrônico, pontos de comércios clandestinos e novamente nada! Ele era o selo perfeito. Os selos que eu tinha conseguido para minha coleção, eram Selos para mim perfeitos, pela sua beleza, mas não pela sua raridade. Esse? Somente ele existia na praça e não estava à venda, estava para ser conquistado. E pelo que me parecia, seria difícil consegui-lo. Os dias se passaram e também à noite, elas? Eu as vi muito bem passar, não dormira pensando em uma estratégia para entrar na sala de documentos da escola e roubá-lo para mim. Sim roubá-lo, o que tem de errado nisso, era apenas um Selo, e pela sua importância que estava a se tornar em minha vida, tudo valeria a pena. Deixá-lo naquela sala jogado, sozinho, indefeso, onde outros colecionadores poderiam cobiçá-lo e tê-lo, talvez por um fútil momento e ainda sem eu dar para ele o seu real valor, seria falta de ética da minha parte. As coisas de valor são para ser valorizadas e não jogadas para todos, mas todos que tenha o seu devido merecimento.
Certo dia, passando um carteiro a entregar cartas pelas ruas, tive a repentina sensação de ter visto a mesma singularidade que vira na escola. O medo momentaneamente tomara conta de mim. Imaginemos que fosse o mesmo Selo, como agora poderia ser apenas eu a possuir tal sonho. No mesmo momento pensara eu que fosse criação da minha imaginação fértil. Estava talvez ficando obcecado. Talvez começara a ver em todas as partes sua imagem. Refleti melhor e deduzi que um selo desse valor, não ficaria a andar por ai dentro de um veículo de transporte tão simples a se mostrar para todos. Ainda mais, ser agora encontrado dentro da casa de muitos, muitos que nem ele mesmo o conhecia. Lógico, ele era apenas um selo e não pensava nisso. Depois da observação, vi que o fato era realidade, realmente ele estava ali, sendo entregue a outro. Não aceitei! Passei próximo, observei ponderadamente, e a verdade fincou o meu coração. Fui pra casa. Não podia aceitar! A noite foi longa e decepcionante. Pensei que talvez estariam duplicando esse mesmo tipo de selo por ai. Sendo vendido por migalhas, ou sendo trocado entre amigos. Trocado entre amigos.
No outro dia, imediatamente quando acordara da pequena noite em sono, fui as agências de correio que conhecia para ver se o encontrava. Conversei com vários colecionadores, alguns cambistas e outros qualquer, principalmente outros qualquer. Tinha recebido a pior notícia que poderia ter recebido. Vi com meus olhos o que não queria ver. Os correios já sabiam de sua existência e os colecionadores já o queriam tê-lo, e outros os já tinham tido e jogado fora. Muitos colecionadores, não são colecionadores de verdade, apenas desfrutam dos selos que possuem para dizer que já os tiveram e jogam fora. Talvez pareça que eu seja assim, mas até hoje de alguma maneira tenho os meus selos em casa, ou pelo menos em minhas lembranças.
Não importava mais, eu não o queria. Já não mais me valia, todos já o tinham. Pelo menos ao meu modo de ver, de enxergar as coisas como penso que são. Os dias cotidianos na escola voltaram a ser seguidos, depois de alguns meses, já não precisaram de meus conhecimentos na escola. Mas as noites eram difíceis de enfrentar. A frustração era grande, mas a vida de colecionar os selos tinha que continuar. Nesse período, ganhei tantos outros, e ainda tornei outros mais belos, mas nunca tive um tão singular quanto aquele. E hoje, eu vivo minha vida de errante e tento imaginar quantos colecionadores estão por ai, tentando ter o que um dia eu tive a oportunidade de possuir. E vivo!
Olho para o céu, uma manha ensolarada, carros pelas rua e pessoas pelas causadas, e a vida é bela.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O tempo embebedou-se

de Cecílio Purcino

O tempo embebedou-se
Pegou uma garrafa de Château do vale no natal
E a tomou em três tempos.
Não deu outra e já estava cambaleando e tropeçando
Sobre tudo e a todos.
Ninguém reclamou de nada, pois o tempo é assim –
Sempre faz tudo e ninguém percebe.

Tempo depois ele estava comemorando a chegada do ano novo
Com duas taças de champagne Demoiselle
E uma de vinho seco.
Logo caiu de cama e ninguém viu mais falar do tempo.

Notícias e rumores só vieram dar-se do tempo no tempo de carnaval,
Quando o povo estava interessado em passar com o tempo,
Dançando, pulando, correndo e festando.
É a semana de carnaval e por isso o tempo é tão importante.

Sem perder tempo, o tempo novamente se embriagou,
Tomou toda cerveja que pode encontrar pela frente,
Comeu todos os petiscos e refinos que tinha direito
E entrou em coma.

O tempo parou no hospital da vida e ninguém mais via o tempo passar.
As pessoas só pensavam no tempo quando se lembravam
Das diversões, das brincadeiras e das emoções.

Não levou muito tempo e o tempo acordou, e dessa vez mais vivo.
Conforme o tempo foi passando pelas ruas, bairros, cidades e estados,
Ele foi deixando sua marca.
Era paixão desesperada, um sorriso que ele afagava,
A dama desiludida, o homem que prosperava,
A razão amargurada, o amor que aparecia, a morte que vingava
No barco que gemia, era a casa findada, era a festa arredia,
Era o encontro marcado, era a criança que nascia, no namoro ajeitado,
Na saudade que batia, eram parentes distantes, que tão pouco ele sabia,
Era o tempo brincando, bebedeira arredia.

Mas não deu muito tempo, e o tempo voltou
A trabalhar com seu relógio futurístico.
E o tempo trabalha...
Trabalha tanto que cansa
E depois descansa nas férias do meio do ano.

No Brasil, o tempo tem asas, ele voa, passa
Sem ninguém dar-se contas dele.
Ele passara por mim agora e nem percebi.

Bom, digamos que o tempo tem alguns gostos estranhos.
O tempo passa nos calçadões e corteja as mulheres,
E cumprimentam os homens, que logo cedo
Se embriagando de cappuccino –
Bebida fina que o tempo trouxe para satisfazer
As vontades desses que esqueceram de acordar para a vida.

O tempo não trouxe somente o cappuccino,
Ele trouxe as roupas, os chapéus, os charutos, os colares,
Os brincos, as maquiagens, as gargantilhas,
As penas plumagens, as blusas, as camisetas,
Camisa de botão, tecidos importados.

Trouxe também, as músicas, as poesias, os instrumentos,
Os copos, as xícaras, o plástico, o tecido biodegradável,
O ferro o aço, o lápis apontável, a comunicação, a decoração,
A impressão automática, a imagem na ação.

O tempo trouxe tudo, patenteou seu nome
Em cada exemplar e deu para seus filhos usarem.

O tempo é dono de tudo,
E apegado coisa nenhuma.
Ele gosta mesmo é de se embriagar
E ver-se passar pelo espelho da vida.

E novamente o tempo viaja, voa, passeia,
Caminha, com a minha vida,
E cassua, com a sua.
E ele passa agora cumprimentando
Maria e as crianças pela 12 de outubro
E rezando pelos mortos no cemitério, 2 de novembro.
E agora o tempo está novamente comemorando o natal,
E nem dei por mim que o tempo já tinha passado,
E que ele já iria se embriagar de novo e se esbarrar em mim,
Em ti e em tudo e a todos que puder para mostrar
Que ele nunca para, e que ele esta vivo.