quarta-feira, 16 de junho de 2010

Veja-me

de Cecílio Purcino

Minha vida é algo que tenho de mais natural
E que não compartilho com ninguém!
Se há alguém para compartilhar, não o faço,
Se há alguém para conversar, não converso.
Assim o dizem por ai.
Mas se não a divido,
Não é porque eu quero que seja assim,
São as pessoas que não dividem comigo
A beleza da naturalidade do ser
Diferente, conspícuo, distinto e notável que somos.
Existe algo mais belo e mais puro que
Ver os acontecimentos da vida como
Tudo o que é de mais natural?
Ainda mais quando a vida é do outro e não a minha.

E é por isso, que eu acho que errei a estrada do céu,
Perdi- me pelo caminho do amor.
E se os vejo, apenas os comprimento,
E há quem diz que esse é o caminho mais curto.
Mas até a estrada terminar na porta do casebre,
Ainda faltam muitas pedras pelo caminho.
Mas com pedras ou sem pedras eu as com partilho.

Mas como eu disse e reforço!
Não tenho nada a esconder
E nada a temer,
São as pessoas que têm muito
O que me enxergar.
Eu compartilharei contigo
O que ver de em mim
E cinzas na pele
E vermelho nos dentes

E se não quiseres ver
Nunca compartilhará nada,
Pois compartilhar vem de como
Partir o pão que há sempre de bom
Em todos nós.

Então só partirei o pão contigo se deixares
A faca passar na garganta,
Se perderes o medo de ver-me,
Se deixares a mordida descer-te,
Se quiseres comer o pão que o diabo amassou,
Pois com ele vem sempre a fúria e o desejo
E é tudo que está dentro de mim.

Portanto, abra-me o pão, passe a manteiga
E me coma, para sentir meu passado dentro de ti.
E se não gostares do gosto,
É porque talvez para ti faltasse algum tempero,
Ou talvez passasse na pimenta do reino que é dos céus,
Ou ainda talvez porque sentisse sabor de vida insossa,
Sem anseio, sem sal e açúcar,
Sem aspiração e sem nada.
Apenas o gosto de manteiga nos dentes.

Engula-me! Engula-me a frio
E encare o que eu sou
E seja quem tu és!
Não me espere para ditar seus desejos e
Nem para que eu te fale
O que deves fazer da minha vida -
Pois é coisa que você acha que é sua.
A minha vida, você acha que é sua.
E mais nada!
Mas acha porque sempre a procura
Pelos cantos, pelos becos, pelas bocas.
Se parasse de procurar,
Talvez encontrasse a sua própria vida,
Calada, morta, moída,
Quase que perdendo o sal e o gosto.

Se queres compartilhar minha vida,
Venha ser eu mesmo
Nos alicerces dos corpos,
Na mobilidade dos átomos,
Na essência do ser,
Nos desabafos e nas dores,
Na luz e na escuridão,
Nessa grande estrada tortuosa da vida.

sábado, 12 de junho de 2010

Na morada dos dias

de Cecílio Purcino

O que mais posso esperar de um dia que é dia
Apenas para os outros e nada para mim?
De fato, esse dia só não é nada para mim
Porque não tenho com quem dividi-lo,
Ou melhor, tenho e não quero,
Quero e não tenho.

Na verdade, não tenho
E sou eu que sempre quero me tapear,
Como tapioca no fogo, dizendo que estou bem,
E se tá pior é por que
Eu deixei que fossem.

E se não tenho alguém, é porque mereci.
Não é tão fácil ser assim como eu,
Dia após dia, ano após ano e nada de novo.
Devo ter jogado pedra na cruz e água nos santos,
Devo ter sido aquele que a vida não elegeu,
Devo ser aquele que ninguém escolheu,
Mas fui aquele que sempre escolhi.

E é porque eu escolhi que estou sempre assim,
Sem ninguém para entregar o presente,
Sem ninguém para falar do passado
Sem ninguém para ter um futuro,
E ninguém para comemorar
A páscoa, o natal, os aniversários e
O dia dos namorados.

Hoje estou me sentindo assim, solitário aos milhares,
Sozinho aos prantos e fadado a serpentes,
Pois me passo apenas na cabeça dos outros e
É o que apenas faço.
Ser algo que esta apenas na cabeça dos outros!

E verdade e sem mito,
Se não é assim e não menos assim,
Então me diga!
Por que ninguém tem olhos para mim?

Me diga, então!
Por que tudo passa e sempre passa,
Nada mais que a intenção?
O porquê...

Bom, hoje já faz dias que não tenho dias,
Já faz anos que não sou namorado,
Já faz décadas que não sou aceso,
Já se fez eterno,
Que sou uma tocha fria na concha vazia do amor.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Que tristeza é essa?

de Cecílio Purcino

Que tristeza é essa no meu coração que não para?
Não é a falta dos teus olhos a entrar em mim
Com tua chegada ao recinto,
Nem a falta de suas mãos factícias
A entrelaçarem às minhas,
E nem de tua boca a ditar os meus deveres do dia.
É o teu desejo íntimo, que é diferente do meu e
Que nos afasta pouco a pouco.

Que tristeza é essa no meu coração que não para?
Não é a falta dos teus lábios em minha boca,
Nem de teus braços em meu corpo e
Nem de tua língua em meu pescoço.
É a vida, que escolheu as pessoas a quem devo amar.

Que tristeza é essa no meu coração que não para?
Não é a falta de teu sussurro no pé do ouvido,
Nem de teu humor que me compraz ao fim do dia
E nem de teus dedos que não me transformam em harpa e lira.
É a razão, que sempre me segura para não me perder
Diante de ti.

Que tristeza é essa no meu coração que não para?
Não é a falta da sua presença que acontece por vezes ou outras,
Nem dos encontros rápidos e repentinos e
Nem de suas dúvidas que me ensinam
A falar de coisas que só outros sabem lá fora.
É porque ouvi hoje você listar seus amores
E o meu nome não estava entre eles.

Que tristeza é essa no meu coração que não para?
Não é a falta dos cabelos que não tenho,
Nem de teu belo corpo intocável,
Nem de teus belos olhos a me olharem de
Mancinho pelo reflexo do espelho e
Nem de teu sorriso a me pedir conselhos.
É o medo, de queimar essa linha
Que nos une e que nos molda.

Que tristeza é essa no meu coração que não para?Ah! Que tristeza é essa?
Não é a falta das tuas brincadeiras durante o dia,
Nem do gelo que tu me dá para por em águas quentes e
Nem da despedida com teu adeus no fim de
Uma longa tarde de exercícios.
É a dor, da vontade de saber
Se ao menos sequer te terei por um dia.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Casados, separados, mas unidos

Poema feito a dois de
Cecílio Purcino e Rui Cortes

O amor impossível, entre um homem mais velho e uma garota menor de idade

Eu acho que casaremos juntos,
Talvez unidos,
Talvez juntos e unidos,
Talvez nos casemos.


Cabelos brancos,
Corpo pouco esguio,
Pouca força,
Mas casados.


Sim, sempre me arrependi de ter te deixado passar
Como o rio que sempre passa, passa e passa
E de nunca ter aceitado o sabor da carne que tanto amo,
Os delírios constantes que tanto tenho,
E a beleza que tanto me atrai
E que dá movimento de mais aos corpos.


De repente nem me conheço mais,
O espelho que outrora refletia uma face jovem
Agora soletra um homem de algumas primaveras
Pouco feliz, muito feliz, amado, odiado
Contraditório em mim e nos outros.
Insisto no amor
Porque acredito nos lábios que me tocam,
Me deliram,
Me fascinam,


Mas eu te reconheço, por fatos existentes,
Pelas águas correntes,
Que passava por ti
E que agora deságua na primavera que tu és,
E é porque você é primavera hoje
Que eu sou outono sempre,
Para nos completarmos pelos anos
Para sermos todas as estações,
Para sermos frios no verão
E quentes no inverno,
E sermos aquilo que nos uni nesse dia inóspito
E distante que estamos um do outro.


Ainda queres meu beijo?
Ainda quer meu fogo?
Por que me indagas maldito amor?
Não percebe que o passado
Destrói, corrói e me machuca
Deixe-me voar, deixe-me ir
Liberta-me de tua sombra
Preciso partir....


Parta ti, não tenha medo e costume da vida,
Não tenha vida pelo medo de viver,
Não tenha medo de me perder.
Se te queres partir. Então parta ti
Em duas partes se possível,
Mas deixe uma delas para me completar no final
De minha vida, pois se formos nos casar,
Que eu tenha pelo menos a metade do
Seu beijo para levar com a morte .


Cabelos brancos,
Corpo pouco esguio,
Pouca força,
Mas casados...
Fique com minha outra parte, minha outra metade,
Fique também com meu silêncio
Que eternamente gritará de amor
Nas entranhas da Terra.
Amo-te como nunca amei ninguém,
Desfaleço-me, esqueço de mim e do tempo...
Deixo contigo um beijo, uma lágrima e um murmúrio de Adeus...


Eh, eu acho que casaremos juntos
Talvez unidos,
Talvez juntos e unidos,

Eu com a sua metade e você dormindo.